sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Os limites da liberdade (carta a uma jovem jornalista)

Cara menina jornalista,


Perdoe-me não ter fixado o seu nome. 
O motivo por que lhe escrevo são as opiniões a propósito da liberdade de imprensa que expressou num noticiário a que assisti. Baseada num inquérito à comunidade islâmica portuguesa, onde a generalidade das opiniões condenava os atentados de Paris ao Charlie Hebdo mas reprovavam de igual forma as ofensas à sua religião e ao profeta Maomé, a menina concluía que era preciso repensar os limites da liberdade de imprensa e que não se devia ofender as religiões.

Tenho ouvido e lido várias opiniões no mesmo sentido nos últimos dias, mas na sua maioria, elas eram esperadas. Uma delas, por exemplo, de uma dessas verrugas que gostam de se pavonear nos programas da manhã da TVI, dizia que «os tipos estavam mesmo a pedi-las… se não se metessem com os muçulmanos, nada disto teria acontecido». Mas uma verruga é uma verruga, e desde que não se transforme em pele, o problema é normalmente apenas estético…

Outra opinião foi a do Papa Francisco. Quanto a ele, também não haverá muito a dizer. O Papa deve ser boa pessoa, mas a liberdade nunca foi muito cara à igreja católica; temos de compreender que ele tenha de defender o seu estatuto de chefe religioso e a mãe dele devia dar-lhe uns bons tabefes.

Mas devo dizer-lhe que a sua opinião me surpreendeu. Olhando para si, assim vestida e pintada, a minha primeira reacção foi desabrida: «Olha para aquela estúpida; se vivesse num país islâmico e aparecesse naqueles preparos na televisão iam todos de cana e a televisão era fechada!».
Sim, minha querida, é que se vivesse no Islão, a menina tinha de andar de burca, não podia estudar nem conduzir, e no dia que traísse o namorado ou o marido, era condenada a 500 vergastadas ou a ser delapidada em público.

Sim, minha querida, dito por uma mulher, que se deveria ofender com o Islão, defender os limites da crítica às religiões é um tanto estranho. Ou a menina não se ofende? Os direitos, das mulheres em especial, são todos os dias espezinhados pelas religiões, e de forma especialmente agressiva pelo Islão, e a menina não se ofende? Não se incomoda quando vê passar na rua uma mulher de burca? 

Pois se é preciso defender intransigentemente o direito de essa mulher rezar a Maomé e de andar de burca, ninguém nos pode impedir de criticar, de satirizar, de ridicularizar, de rir. Dela, do profeta e do deus e dos homens que a mandam andar assim. Sim, é verdade que muitas mulheres, milhares, milhões, usam burca porque querem, e defendem e advogam o uso da burca, porque já nasceram com ela, porque incorporaram a inferioridade que a sociedade e a religião lhes inculcou ainda crianças, porque estão condicionadas pelo meio social e pelas suas tradições. E é por isso, e também por elas, que é legítimo, e necessário, lutar, pelo menos com a sátira, contra a burca.  

Por isso querida, reveja lá isso, se não quer um dia ter de andar de burca ou ser chicoteada na praça pública.

A menina será talvez católica e o que vou dizer de seguida irá chocá-la, mas deixe-me dizê-lo, ainda assim. 

Porque não é um problema da religião islâmica. A origem do islamismo é a mesma do cristianismo e do judaísmo, embora se diga recorrentemente que «cá no ocidente as religiões são mais tolerantes» 
Não pretendo dissertar sobre a natureza das religiões, mas a sociologia descobriu que (entre outras coisas) as religiões são também sistemas de identificação social e cultural e de coesão social; globalizantes no sentido em que tendem a explicar e justificar tudo a partir de deus. As religiões impõem leis, moral e normas de conduta social e individual, procurando influenciar os governos, as sociedades, as leis e, acrescento eu, retirando daí benefícios «em nome de deus». Quem não pertencer à religião dominante é marginalizado. As religiões cristãs, e a católica incluída, não fogem à regra. 

 Nem vale a pena falar do papel da inquisição e das cruzadas. Mas se retrocederemos apenas uns anitos, não muitos, em Portugal, o divórcio era proibido por imposição da igreja, as mulheres não podiam praticar um sem número de actividades, mesmo profissionais, sem o acordo do marido ou do pai, e a moral religiosa mandava prender os jovens que se beijassem em público. A menina não assistiu a isso, claro, porque é muito jovem, mas os resquícios desse período negro da história de Portugal ainda subsistem.

E se acabou foi porque houve uma revolução em Portugal, e porque homens e mulheres lutaram por isso. Mas a influência da igreja persiste: no nosso estado laico continua a existir um acordo com a santa sé – uma Concordata; a igreja, as igrejas, têm privilégios, pagam menos impostos que eu, interferem nas escolas, insinuam-se nos programas de ensino (e continua a haver aulas de religião e moral nas escolas), têm escolas (nos Estados Unidos, existem inúmeras escolas onde se ensina o criacionismo), têm espaços na televisão, têm rádios, têm jornais, insinuam-se, intrometem-se na sociedade, impõem regras e costumes.       

A religião continua a dizer-nos que nascemos com um pecado original: somos pecadores, ainda antes de nascermos! E a menina não acha ridículo? Os livros sagrados da «nossa» religião (a religião do «ocidente» nas suas diversas nuances) dizem-nos que as mulheres são apêndices dos homens – nasceram de uma costela do homem –, e a menina não se ofende? A menina não acha ridículo? E o que se faz quando nos deparamos com uma coisa ridícula? Não nos rimos? Não satirizamos?

A própria impossibilidade do sacerdócio às mulheres, não lhe diz nada sobre o lugar que as mulheres ocupam na sociedade para a igreja católica? E a menina não se ofende?

A religião cristã (e nisso, uma vez mais, acompanha o islamismo e o judaísmo) opõe-se à interrupção da gravidez (o aborto), em todas as situações; mesmo quando a mãe ou a criança estão em perigo de vida, ou mesmo quando os testes pré-natal já concluíram que a criança irá nascer um vegetal. Ou seja, condenam à infelicidade, por toda a vida, as crianças e os pais. 

As religiões opõem-se a qualquer tipo de contracepção, mesmo quando as famílias vivem na miséria. As religiões gostam da culpa, defendem a infelicidade, em nome da crueldade do deus. Não terei o direito de questionar? De criticar a falta de humanidade das religiões? De ridicularizar?

Por preconceito religioso e social, os nossos deputados cristãos opõem-se à adopção das crianças por casais homossexuais, mesmo contra os direitos das crianças, e o que devemos fazer? Calar, não ofender, ou denunciar? Mas não impõem isso para eles, impõem-no para a toda a sociedade!

As religiões interferem na nossa sexualidade. O bom Papa Francisco que aconselha os seus fiéis a não procriarem como coelhos, proíbe o uso de todos os contraceptivos artificiais. Ou seja, advoga a abstinência. Por isso, minha querida, se não quer viver em pecado, ou se vai confessar de cada vez que der uma queca e o seu marido (com o namorado nem pensar) usar camisinha, ou se liberta da culpa.
   
As religiões tendem a impor os seus códigos morais, os seus rituais, as suas regras, na sociedade, mesmo nos indivíduos que não professam a fé maioritária.

Dizem – os filósofos da superioridade do ocidente - que a nossa sociedade e a nossa religião são mais tolerantes e mais avançadas. Mas note que esse «progresso» foi conquistado, casa a casa, rua a rua, pelos pensadores, pelos cientistas (e só em 2000 a igreja católica pediu desculpa a Galileu pela perseguição que lhe moveu!!), pelos filósofos, pelos milhares de homens e mulheres que lutaram pela (sua também) liberdade de pensar, pela liberdade de expressão, pela liberdade religiosa, pois claro, pela liberdade. Se a menina vai para a televisão pintada e, se lhe apetecer, com um decote um pouco mais generoso, é porque homens e mulheres defenderam o seu direito a andar como lhe apetecer. 

A nossa sociedade evoluiu sim, menina, apesar da igreja e contra a igreja. E foi para que a menina possa aparecer na televisão a opinar, que milhares, milhões, de mulheres e homens lutaram (e quantos morreram) contra os ditames das religiões.

As religiões, menina, não são clubes de futebol; elas são por natureza intolerantes, prepotentes e opressoras. Se renunciarmos ao nosso direito de crítica, estamos a capitular; é a nossa liberdade, é, sim!, a democracia e a civilização que estão em perigo.

E sim, ainda assim, é preciso defendermos a todo o custo a liberdade de religião. Eu penso que todas as religiões são retrógradas; mas porque exijo para mim o direito de me exprimir em liberdade, eu tenho de exigir para as religiões o direito de existir e aos crentes o direito de professarem a sua fé da forma que entenderem. Em coexistência pacífica com os outros credos ou os não credos. 

A combate às burcas (de toda a espécie) não pode significar qualquer tipo de proibição: em nome da liberdade, o nosso mundo civilizado não pode proibir ninguém de vestir o que quiser, de pensar o que quiser, de professar a religião que quiser, de comer o que quiser ou praticar os cultos que quiser (e isto não tem nada a ver com terrorismo, que não é assunto desta minha e-pistola). Mas é porque o combate às burcas deve ser político e social, que não podemos capitular no nosso direito à liberdade de expressão e crítica! 
Eu penso que a menina não pensou bem na coisa. Porque os defensores da «liberdade com limites» estão a defender a censura e eu não acredito que a menina seja a favor da censura. Porque não há limites para a «ofensa»: os muçulmanos ofendem-se pela simples figuração de Maomé, os cristãos ofendem-se com o preservativo no nariz do Papa (que se opõe ao preservativo), os judeus ofendem-se com as mulheres nas fotografias, e muitos políticos ofendem-se com tudo. 
Em nome de deus e das ideologias e do seu bom nome, esses políticos e profetas (com frequência de mãos dadas) não perdem uma oportunidade para censurar, para impor limites à democracia, para restringir a nossa liberdade e cercear a liberdade de imprensa. Foi assim com Hitler e Estaline ou o nosso pardacento Salazar, mas foi assim também com Cavaco, Sarkozy e Mariano Rajoy. 

As igrejas e os políticos pretendem controlar os media e o argumento dos limites da liberdade vem mesmo a calhar: a verdade é que eles argumentam com a ofensa porque a democracia e a liberdade são uma chatice: as pessoas que são informadas discutem e questionam as regras que lhes querem impor.

Os desenhadores do Charlie Hebdo foram assassinados por exercer o seu direito à liberdade e por a defenderem. A liberdade deles e a nossa. A liberdade de expressão que levavam aos limites, de criticar e ridicularizar, de expor o ridículo e as sacanices. A ofensa está apenas na cabeça dos assassinos, dos censores, dos que nos ofendem todos os dias.

Houve uma altura, há uns séculos, em que alguns pensadores - os que ajudaram a construir a nossa civilização - defendiam que era necessário que os homens com princípios éticos e morais, os homens bons, deviam erguer-se e exigir a liberdade. Eu não tenho mais argumentos que os de Voltaire. Eu recordo para esses «defensores da liberdade de imprensa com limites» esquecidos: «É por discordar do que tu dizes que defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo». 
Ou de outra forma: é a democracia, estúpido!

Enfim, o direito de rir.
O homem é o único animal que ri. Nós rimo-nos porque estamos contentes, mas até o mais inocente escoteiro se ri quando alguém tropeça à sua frente. Rimo-nos do Groucho Marx e do Chaplin porque fazem coisas ridículas, andam de forma ridícula, vestem roupas ridículas. Mas quantas pessoas andam e vestem como eles? E não nos rimos também?  Não temos esse direito? É assim, é a nossa natureza. Nós rimo-nos da felicidade e da infelicidade. Nós rimo-nos da burrice dos outros, das roupas dos outros, das religiões dos outros, da cultura dos outros. E rimo-nos até de nós. Nós rimos porque somos inteligentes!

O riso é também uma forma de crítica. É um exercício de liberdade e é uma forma de crítica necessária! Satirizar, ridicularizar, expor aos outros o ridículo das religiões, das opiniões, das políticas, das pessoas, dos partidos, é contribuir para que os indivíduos pensem; é a postura do Charlie Hebdo. Faziam-no, fazem-no, de forma com frequência malcriada, ofensiva, mas muito menos ofensiva do que as religiões que querem impor os seus preceitos, as suas regras e a sua moral à sociedade. 

As religiões muçulmana e judaica proíbem comer carne de porco, no hinduísmo as vacas são sagradas, no Islão proíbe-se que se desenhe Maomé e as mulheres andam de burca, a religião cristã manda ter relações apenas para procriar e quem for guloso ou preguiçoso vai para o inferno. E impõem essas regras e morais para toda a sociedade. Não gozem comigo! 
Rir é saudável, querida jovem jornalista. E nós portugueses estamos precisados de rir. Depois de quatro anos com um governo que nos parasita e que nos mente todos os dias, resta-nos o direito de rir. Não nos tirem esse direito. Ridicularizar aldrabões, satirizar preconceituosos, gozar com os filhos-da-puta, rir das verrugas, está consagrado na Declaração dos Direitos do Homem. Ou se não está, devia estar.

Rir é saudável, não há nada que valha tanto como uma boa gargalhada.

Ria menina, que lhe faz bem à saúde.

sábado, 30 de agosto de 2014

Pouca Palestina resta. Pouco a pouco, Israel está apagando-a do mapa

Eduardo Galeano


Para justificar-se, o terrorismo de Estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe álibis. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo os seus autores quer acabar com os terroristas, conseguirá multiplicá-los.

Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem sequer respirar sem autorização. Têm perdido a sua pátria, as suas terras, a sua água, a sua liberdade, tudo. Nem sequer têm direito a eleger os seus governantes. Quando votam em quem não devem votar, são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se numa ratoeira sem saída, desde que o Hamas ganhou legitimamente as eleições em 2006. Algo parecido tinha ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador.
Banhados em sangue, os habitantes de El Salvador expiaram a sua má conduta e desde então viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem. São filhos da impotência os rockets caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desleixada pontaria sobre as terras que tinham sido palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à orla da loucura suicida, é a mãe das ameaças que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está a negar, desde há muitos anos, o direito à existência da Palestina. Já pouca Palestina resta. Pouco a pouco, Israel está a apagá-la do mapa.

Os colonos invadem, e, depois deles, os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em legítima defesa. Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma das suas guerras defensivas, Israel engoliu outro pedaço da Palestina, e os almoços continuam. O repasto justifica-se pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à espreita. Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, o que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, o que escarnece das leis internacionais, e é também o único país que tem legalizado a tortura de prisioneiros.

Quem lhe presenteou o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está a executar a matança em Gaza? O governo espanhol não pôde bombardear impunemente o País Basco para acabar com a ETA, nem o governo britânico pôde arrasar Irlanda para liquidar a IRA. Talvez a tragédia do Holocausto implique uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde vem da potência 'manda chuva' que tem em Israel o mais incondicional dos seus vassalos? O exército israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe quem mata. Não mata por erro. Mata por horror. As vítimas civis chamam-se danos colaterais, segundo o dicionário de outras guerras imperiais.

Em Gaza, de cada dez danos colaterais, três são meninos. E somam milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está a ensaiar com êxito nesta operação de limpeza étnica. E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Por cada cem palestinos mortos, um israelita. Gente perigosa, adverte o outro bombardeamento, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a achar que uma vida israelense vale tanto como cem vidas palestinianas. E esses meios também nos convidam a achar que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada comunidade internacional, existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos assumem quando fazem teatro? Ante a tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial destaca-se uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade. Ante a tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos.

A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama uma ou outra lágrima enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caça aos judeus foi sempre um costume europeu, mas desde há meio século essa dívida histórica está a ser cobrada dos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão a pagar, em sangue, na pele, uma conta alheia.



21 Jul 2014

Eduardo Hughes Galeano é um jornalista e escritor uruguaio

sexta-feira, 27 de junho de 2014

O fascínio pelo PCP

Muito curioso, este texto de Adelino Fortunato.



O fascínio pelo PCP

Eleições europeias e crise

Adelino Fortunato

A subida de votação nas europeias e uma aparente coerência do discurso de tom crítico em relação ao euro estão a dar ao PCP uma oxigenação política que há muito não sentia. Observadores de vários quadrantes não se cansam de elogiar o desempenho da CDU. O caso não é para menos, considerando o acréscimo de mais de 35.000 votos em relação a 2009, num contexto marcado pela abstenção e pelas ameaças populistas, e considerando que o PCP não costuma tirar partido da volatilidade eleitoral e das

transferências interpartidárias, uma vez que a sua arma principal reside no efeito fidelidade de uma base de votantes fixa.Porém, a maioria das vozes citadas não faz referência ao aspecto que melhor justifica aquele resultado. Um período de refluxo político e social e a austeridade violenta de um Governo de direita sem oposição significativa do PS, deixam todo um espaço para organizar a resistência. E o terreno da resistência é o preferido pelo partido de Jerónimo de Sousa, construído numa lógica de fortaleza permanentemente atacada durante todo o Estado Novo e de fortaleza sitiada no regime que se instituiu após o 25 de Novembro. Acresce que o PCP dispõe de um poderoso instrumento de mobilização de massas, a CGTP, que lhe permite utilizar o calor das lutas de rua canalizando-as para a pressão institucional e para o fortalecimento da sua imagem. Tudo isto tem um preço absolutamente calculado e bastante conservador. O PCP enquadra as mobilizações e acaba.


A subida de votação nas europeias e uma aparente coerência do discurso de tom crítico em relação ao euro estão a dar ao PCP uma oxigenação política que há muito não sentia. Observadores de vários quadrantes não se cansam de elogiar o desempenho da CDU. O caso não é para menos, considerando o acréscimo de mais de 35.000 votos em relação a 2009, num contexto marcado pela abstenção e pelas ameaças populistas, e considerando que o PCP não costuma tirar partido da volatilidade eleitoral e das transferências interpartidárias, uma vez que a sua arma principal reside no efeito fidelidade de uma base de votantes fixa. Porém, a maioria das vozes citadas não faz referência ao aspecto que melhor justifica aquele resultado. Um período de refluxo político e social e a austeridade violenta de um Governo de direita sem oposição significativa do PS, deixam todo um espaço para organizar a resistência. E o terreno da resistência é o preferido pelo partido de Jerónimo de Sousa, construído numa lógica de fortaleza permanentemente atacada durante todo o Estado Novo e de fortaleza sitiada no regime que se instituiu após o 25 de Novembro. Acresce que o PCP dispõe de um poderoso instrumento de mobilização de massas, a CGTP, que lhe permite utilizar o calor das lutas de rua canalizando-as para a pressão institucional e para o fortalecimento da sua imagem.

Tudo isto tem um preço absolutamente calculado e bastante conservador. O PCP enquadra as mobilizações e acaba  por esgotá-las num ponto em que nada mais resta senão a indignação contida e a sugestão de que votar CDU é a forma de “condicionar” (expressão em voga nalgumas sensibilidades) um futuro Governo PS. Que o digam os movimentos sociais, eles próprios afundados naquela exaustão, anulando-se assim uma concorrência incómoda! E será com este hipotético “condicionamento” que António Costa tentará jogar, se vier a ser primeiro ministro, para neutralizar a oposição à sua esquerda por intermédio de um acordo com os parceiros sociais que salve a face de ambas as partes, mas que não abdicará do essencial da austeridade. Ninguém melhor que ele para fazer isso.

O problema é que a experiência do PCP não é possível de replicar por quem quer que seja, faltar-lhe-á sempre a história, a implantação e os instrumentos de enquadramento das lutas essenciais àquele jogo de cintura. Mas também não seria desejável que isso acontecesse, por que a fractura política que a suporta só tem servido para manter a base do PCP imune às influências exteriores. E, num contexto em que a destruição do Estado social está na ordem do dia e em que outras ameaças ainda mais sérias podem vir a emergir, impõe-se lutar inequivocamente contra a austeridade da direita e aquela que a direcção do PS se prepara para adoptar, mas impõe-se também uma proposta agregadora e mobilizadora do conjunto da esquerda. Essa proposta, construída em torno de um programa de luta contra a austeridade e o Tratado Orçamental, deveria merecer a melhor atenção de todos os socialistas críticos, do Partido Comunista, do Bloco de Esquerda e restantes formações de esquerda, movimentos sociais e associações que se revejam nestes objectivos. Para contrariar a descrença e a passividade faz falta algo de novo que combine a combatividade e a firmeza com a abertura à unidade e a sugestão de eficácia que ninguém hoje isoladamente pode assegurar.

E o fascínio pelo PCP não ajuda a resolver este problema.
(Público, 22 Jan 2014)

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Os resultados das eleições e uma pergunta estúpida


Só por curiosidade fui procurar os resultados das eleições dos últimos 5 anos.
Aqui ficam.

Europeias 2009 Legislativas 2009 Autárquicas 2009 Legislativas 2011
07-06-2009 27-09-2009 11-10-2009 05-06-2011
PSD/ CDS 1.424.201 2.247.774 1.441.186 2.813.729
PS 945.200 2.077.695 2.084.382 1.568.168
PCP 379.256 446.994 539.694 441.852
BE 381.696 558.062 167.101 288.973








Autárquicas 2012 Europeias 2014



29-11-2013 25-05-2014


PSD/ CDS 986.528 907.561


PS 1.812.029 1.031.958


PCP 552.690 416.091


BE 120.982 149.429

(As votações do PSD e CDS foram somadas.)

1. Sem querer retirar grandes ilações, note-se que o PCP foi o partido que teve a votação mais constante, aumentando a sua votação em comparação com as eleições europeias de 2009, em 36.800 votos, mas perdendo um pouco em relação às legislativas. 
Das autárquicas, onde o PCP tem tradicionalmente uma boa votação, há um saldo negativo de mais de 100.000 votos.
 
2. Note-se que o PS ganhou 86.700 votos em relação às anteriores europeias, mas perdeu comparando com todas as outras: metade dos votos relativamente às legislativas e autárquicas de 2009, e mesmo quase 800.000 votos das autárquicas de 2013.

3. O PSD/ CDS perdeu comparando com todas as outras eleições, tendo perdido dois terços (!!!!) dos votos desde as legislativas de 2011: quase dois milhões de votos. Mas perdeu meio milhão em relação às europeias de 2009!

4. O Bloco tem uma votação muito irregular, denunciando talvez a sua fraca influência no terreno, e acusando muito provavelmente a fuga dos votos populistas e do Livre.

Pergunta estúpida: Se a direita teve a pior votação de sempre, porque carga de água é que a crise está à esquerda?










































As pessoas e o país

«A vida das pessoas não está melhor …»


3 anos de governo PSD/CDS:


  • 340.000 desempregados – 45% jovens desempregados
  • 300.000 emigrantes
  • Dívida 90% PIB -» 130% PIB
  • Colossal aumento de impostos (directos e indirectos, IVA, IRS, IRC, IMI, IUC…) que levou milhares de famílias e empresas à falência
  • Falências duplicaram
  • O investimento na educação pública caiu em flecha enquanto o governo financia o ensino privado
  • O investimento na saúde e na protecção da saúde caiu em flecha, representando uma das grandes «poupanças» do estado
  • Uma parte substancial do financiamento do Sistema Nacional de Saúde foi desviado para os hospitais privados
  • Mais de metade dos desempregados subsiste sem qualquer apoio social
  • O investimento na investigação e no ensino superior caiu para metade
  • Os transportes públicos, a electricidade e o gás, subiram mais de 30%
  • Os gastos do estado com a cultura caíram para valores de antes do 25 de Abril
  • 1 em cada 4 portugueses é hoje pobre...
 
«… mas a do País está muito melhor»


3 anos de governo PSD/CDS:
  • A fortuna de Belmiro de Azevedo, Amorim e os restantes dos 0,001% dos portugueses ricos disparou  
  • Os bancos (que provocaram a crise nacional e internacional) capitalizaram-se (à nossa custa) e desfizeram-se dos «activos tóxicos» que a desregulação do mercado financeiro lhes tinha permitido
  • A reforma do Estado resumiu-se à saída de dezenas de milhares de funcionários públicos, que lançou os serviços públicos num caos,
  • à contratação de milhares de boys do PSD/CDS pagos a peso de ouro
  • à venda ao desbarato dos equipamentos do estado,
  • à (colossal) contratação de serviços de outsourcing
  • à privatização de sectores fundamentais do Estado

«A vida das pessoas não está melhor, mas a do País está muito melhor», Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD.

Não fiques em casa: Vota na esquerda!
 
(post originalmente publicado em O Gato Escarninho em 23 de Maio de 2014)

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Slavoj Zizek - Ocupar Wall Street: o despertar


Slavoj Zizek está à cabeça dos meus «pensadores» contemporâneos favoritos. Incisivo, crítico, bem humorado, fecundo, interventivo, culto e lúcido.
Para iniciar as e-pistolas escolhi o texto que se segue e que Zizek escreveu em Outubro de 2011, que achei especialmente inspirador, e que dá uma perspectiva sucinta do seu pensamento. Esta é uma tradução livre; o original do mesmo texto em inglês é publicado logo a seguir.

Ocupar Wall Street: o despertar
Slavoj Zizek

Em 9 de Outubro, o filósofo esloveno Slavoj Zizek falou aos manifestantes do Ocupar Wall Street em Liberty Plaza. O que se segue é uma transcrição do seu discurso:

Não se apaixonem por vocês mesmos com o momento que estamos a ter aqui. Os carnavais são baratos e o verdadeiro teste do seu valor é o que permanecerá no dia seguinte; como é que o nosso quotidiano será alterado. Preparem-se para o trabalho duro e paciente: nós estamos no princípio, não no fim. A nossa mensagem básica é: o tabu foi quebrado, não vivemos no melhor mundo possível e estamos autorizados e até mesmo obrigados a pensar em alternativas. Há um longo caminho pela frente, e logo teremos que enfrentar as questões realmente difíceis - não perguntas sobre o que não queremos, mas sobre o que nós queremos. Que organização social pode substituir o capitalismo existente? De que tipo de novos líderes precisamos? As alternativas do século XX obviamente não funcionaram.

Não culpemos as pessoas e suas atitudes: o problema não é a corrupção ou a ganância; o problema é o sistema que nos empurra para ser corruptos. A solução não é a "Main Street, e não Wall Street", mas para mudar o sistema onde a Main Street não pode funcionar sem Wall Street. Cuidado, não só com os inimigos, mas também com os falsos amigos que fingem apoiar-nos, mas já estão a trabalhar duro para diluir o nosso protesto. Da mesma maneira que tomar café sem cafeína, cerveja sem álcool ou gelado sem natas, eles vão tentar transformar-nos num inofensivo protesto moral. Mas a razão de estarmos aqui é que tivemos o suficiente de mundo onde reciclar latas de Coca-Cola, dar um par de dólares para a caridade ou comprar cappuccino Starbucks onde um por cento vai para os problemas do Terceiro Mundo, é o suficiente para nos fazer sentir bem. Depois da transferência para outros do trabalho e da tortura, depois de as agências de casamento começarem a organizar os nossos namoros, descobrimos que há muito tempo que estávamos a permitir que as nossas responsabilidades políticas fossem transferidas para outros. Queremos-las de volta.

Eles vão dizer que somos anti-americanos. Mas quando os fundamentalistas conservadores vos dizem que a América é uma nação cristã, lembrem-se do que é o cristianismo: o Espírito Santo, a comunidade livre igualitária dos crentes unidos pelo amor. Nós aqui somos o Espírito Santo, enquanto em Wall Street são pagãos que estão a adorar falsos ídolos.

Eles vão dizer que somos violentos, que a nossa própria linguagem é violenta: ocupação, e assim por diante. Sim somos violentos, mas apenas no sentido em que Mahathma Gandhi era violento. Somos violentos porque queremos pôr um fim na maneira como as coisas vão - mas o que é essa violência puramente simbólica em comparação com a violência necessária para manter o bom funcionamento do sistema capitalista global?

Fomos chamados perdedores - mas não são os verdadeiros perdedores que estão em Wall Street, e não eram eles suportados por centenas de milhares de milhões de vosso dinheiro? Vocês são chamados socialistas, mas nos EUA já existe o socialismo para os ricos. Eles vão dizer-vos que vocês não respeitam a propriedade privada, mas as especulações de Wall Street que levaram ao acidente de 2008 apagaram mais propriedade privada ganha com trabalho duro, do que nós podemos aqui destruir: basta pensar nos milhares de casas hipotecadas.

Nós não somos comunistas, se o comunismo significa o sistema que justamente entrou em colapso em 1990 - e lembrem-se que os comunistas que ainda estão no poder praticam hoje o mais cruel capitalismo (na China). O sucesso do capitalismo comunista chinês é um sinistro presságio de que o casamento entre capitalismo e democracia se aproxima do divórcio. O único sentido em que somos comunistas é que nos preocupamos com o bem comum - o bem comum da natureza, do conhecimento - que são ameaçados pelo sistema.

Eles dirão que vocês estão a sonhar, mas os sonhadores verdadeiros são aqueles que pensam que as coisas podem continuar indefinidamente da forma como elas estão, apenas com algumas mudanças cosméticas. Nós não somos sonhadores, somos o despertar de um sonho que se está a transformar num pesadelo. Não estamos a destruir nada, nós estamos apenas a testemunhar de como o sistema se está gradualmente a destruir a si mesmo. Todos nós conhecemos a cena clássica dos desenhos animados: o gato vai até a um precipício, mas continua a andar, ignorando o facto de que não já há chão sob os seus pés; e começa a cair apenas quando olha para baixo e se apercebe do abismo. O que estamos a fazer é apenas a chamar a atenção dos que estão no poder para olhar para baixo.

Então, a mudança é realmente possível? Hoje, o possível e o impossível estão distribuídos de uma forma estranha. Nos domínios das liberdades pessoais e da tecnologia científica, o impossível torna-se cada vez mais possível (ou assim nos dizem): "nada é impossível". Podemos desfrutar do sexo em todas as suas versões perversas; arquivos inteiros de música, filmes, e séries de TV estão disponíveis para download; viagens espaciais estão disponível para todos (com dinheiro ...); podemos melhorar as nossas capacidades físicas e psíquicas por meio de intervenções no genoma, e até realizar o sonho tecno-gnóstico da imortalidade transformando a nossa identidade num programa de software. Por outro lado, no domínio das relações económicas e sociais, somos bombardeados o tempo todo por um «Você não pode ... envolver-se em actos políticos colectivos (que necessariamente terminam no terror totalitário), ou agarrar-se ao velho Estado Social (que o torna não competitivo e o leva à crise económica), ou isolar-se do mercado global, e assim por diante. Quando as medidas de austeridade são impostas, estão sempre a dizer-nos que isto é simplesmente o que tem que ser feito. Talvez o tempo tenha chegado para transformar as coordenadas do que é possível e do que é impossível; talvez não possamos tornar-nos imortais, mas podemos ter mais solidariedade e saúde?

Em meados de Abril de 2011, os media informaram-nos que o governo chinês tinha proibido mostrar na TV e nos cinemas, filmes que lidassem com viagens no tempo e história alternativa, com o argumento de que tais histórias introduziam frivolidade grave em assuntos históricos. Mesmo escapar da realidade através da ficção é considerado muito perigoso. Nós, no Ocidente liberal não precisamos de tal proibição explícita: a ideologia exerce poder material suficiente com capacidade para evitar que narrativas de história alternativa possam ser tomadas com um mínimo de seriedade. É fácil para nós imaginarmos o fim do mundo - vejam os inúmeros filmes apocalípticos -, mas não o fim do capitalismo.

Numa velha piada da extinta República Democrática Alemã, um trabalhador alemão consegue um emprego na Sibéria. Ciente de como todas as mensagens seriam lidas por censores, ele diz aos seus amigos: "Vamos estabelecer um código: se uma carta que receberem tiver sido escrita com tinta azul, é verdade, se estiver em tinta vermelha, ela é falsa ". Depois de um mês, os seus amigos receberam a primeira carta escrita em tinta azul: "Tudo é maravilhoso aqui: as lojas estão cheias, o alimento é abundante, os apartamentos são grandes e devidamente aquecidos, as salas de cinema exibem filmes do Oeste, há muitas raparigas bonitas prontas para um affair. A única coisa que não existe é tinta vermelha ". E não é essa a nossa situação até agora? Temos todas as liberdades que podemos querer. A única coisa que falta é a tinta vermelha: sentimo-nos livres porque nos falta a própria linguagem para articular a nossa falta de liberdade. O que esta falta de tinta vermelha significa é que hoje todos os principais termos que usamos para designar o conflito actual - "guerra ao terror", "democracia e liberdade", "direitos humanos", etc - são termos FALSOS, mistificando a nossa percepção da situação em vez de NOS permitir pensar isso. Vocês, aqui, vocês estão a dar-nos a todos nós a tinta vermelha.


Occupy Wall Street: the wake-up call
Slavoj Zizek

On October 9, Slovenian philosopher Slavoj Zizek spoke to Occupy Wall Street protesters at Liberty Plaza. The following is a transcript of his speech:
Don't fall in love with yourselves, with the nice time we are having here.
Carnivals come cheap - the true test of their worth is what remains the day after, how our normal daily life will be changed. Fall in love with hard and patient work - we are the beginning, not the end. Our basic message is: the taboo is broken, we do not live in the best possible world, we are allowed and obliged even to think about alternatives. There is a long road ahead, and soon we will have to address the truly difficult questions - questions not about what we do not want, but about what we DO want. What social organisation can replace the existing capitalism? What type of new leaders do we need? The XXth century alternatives obviously did not work.
So do not blame people and their attitudes: the problem is not corruption or greed, the problem is the system that pushes you to be corrupt. The solution is not "Main Street, not Wall Street," but to change the system where Main Street cannot function without Wall Street. Beware not only of enemies, but also of false friends who pretend to support us, but are already working hard to dilute our protest. In the same way we get coffee without caffeine, beer without alcohol, ice-cream without fat, they will try to make us into a harmless moral protest. But the reason we are here is that we had enough of the world where to recycle your Coke cans, to give a couple of dollars for charity, or to buy Starbucks cappuccino where 1 per cent goes for the Third World troubles is enough to make us feel good. After outsourcing work and torture, after the marriage agencies started to outsource even our dating, we see that for a long time we were allowing our political engagements also to be outsourced - we want them back.
They will tell us we are un-American. But when conservative fundamentalists tell you that America is a Christian nation, remember what Christianity is: the Holy Spirit, the free egalitarian community of believers united by love. We here are the Holy Spirit, while on Wall Street they are pagans worshipping false idols.
They will tell us we are violent, that our very language is violent: occupation, and so on. Yes we are violent, but only in the sense in which Mahathma Gandhi was violent. We are violent because we want to put a stop on the way things go - but what is this purely symbolic violence compared to the violence needed to sustain the smooth functioning of the global capitalist system?
We were called losers - but are the true losers not there on the Wall Street, and were they not bailed out by hundreds of billions of your money? You are called socialists - but in the US, there already is socialism for the rich. They will tell you that you don't respect private property - but the Wall Street speculations that led to the crash of 2008 erased more hard-earned private property than if we were to be destroying it here night and day - just think of thousands of homes foreclosed.
We are not Communists, if Communism means the system which deservedly collapsed in 1990 - and remember that Communists who are still in power run today the most ruthless capitalism (in China). The success of Chinese Communist-run capitalism is an ominous sign that the marriage between capitalism and democracy is approaching a divorce. The only sense in which we are Communists is that we care for the commons - the commons of nature, of knowledge - which are threatened by the system.
They will tell you that you are dreaming, but the true dreamers are those who think that things can go on indefinitely the way they are, just with some cosmetic changes. We are not dreamers, we are the awakening from a dream which is turning into a nightmare. We are not destroying anything, we are merely witness to how the system is gradually destroying itself. We all know the classic scene from cartoons: the cat reaches a precipice, but it goes on walking, ignoring the fact that there is no ground under its feet; it starts to fall only when it looks down and notices the abyss. What we are doing is just reminding those in power to look down.
So is the change really possible? Today, the possible and the impossible are distributed in a strange way. In the domains of personal freedoms and scientific technology, the impossible is becoming increasingly possible (or so we are told): "nothing is impossible," we can enjoy sex in all its perverse versions; entire archives of music, films, and TV series are available for downloading; space travel is available to everyone (with the money...); we can enhance our physical and psychic abilities through interventions into the genome, right up to the techno-gnostic dream of achieving immortality by transforming our identity into a software program. On the other hand, in the domain of social and economic relations, we are bombarded all the time by a You cannot ... engage in collective political acts (which necessarily end in totalitarian terror), or cling to the old Welfare State (it makes you non-competitive and leads to economic crisis), or isolate yourself from the global market, and so on. When austerity measures are imposed, we are repeatedly told that this is simply what has to be done. Maybe, the time has come to turn around these coordinates of what is possible and what is impossible; maybe, we cannot become immortal, but we can have more solidarity and healthcare?
In mid-April 2011, the media reported that Chinese government has prohibited showing on TV and in theatres films which deal with time travel and alternate history, with the argument that such stories introduce frivolity into serious historical matters - even the fictional escape into alternate reality is considered too dangerous. We in the liberal West do not need such an explicit prohibition: ideology exerts enough material power to prevent alternate history narratives being taken with a minimum of seriousness. It is easy for us to imagine the end of the world - see numerous apocalyptic films - but not end of capitalism.
In an old joke from the defunct German Democratic Republic, a German worker gets a job in Siberia; aware of how all mail will be read by censors, he tells his friends: "Let's establish a code: if a letter you will get from me is written in ordinary blue ink, it is true; if it is written in red ink, it is false." After a month, his friends get the first letter written in blue ink: "Everything is wonderful here: stores are full, food is abundant, apartments are large and properly heated, movie theatres show films from the West, there are many beautiful girls ready for an affair - the only thing unavailable is red ink." And is this not our situation till now? We have all the freedoms one wants - the only thing missing is the red ink: we feel free because we lack the very language to articulate our unfreedom. What this lack of red ink means is that, today, all the main terms we use to designate the present conflict - 'war on terror', 'democracy and freedom', 'human rights', etc - are FALSE terms, mystifying our perception of the situation instead of allowing us to think it. You, here, you are giving to all of us red ink.